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ANGOLA – SEGURANÇA DE ESTADO AVISA: “VAI-VOS (AO F8) ACONTECER O MESMO” (II)

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ameacas

Por Folha 8

Ameaças anónimas são habituais. Fazem, aliás, parte da galeria de troféus de qualquer jornalista que teime, como é o caso aqui no Folha 8, em dar voz a quem a não tem. Desta vez foram mais uma série delas, tomando como exemplo o que aconteceu ao jornalista brasileiro Marcos de Barros Leopoldo Guerra.

Recordemos o caso. O jornalista Marcos de Barros Leopoldo Guerra, que usava um blogue na Internet para denunciar casos de corrupção em Ubatuba, pequena cidade do estado de São Paulo, no Brasil, foi assassinado.

De acordo com estatísticas divulgadas recentemente em Genebra, pela organização Press Emblem Campain – que apela aos governos para proteger os jornalistas e punir quem os ataca -, o Brasil teve quatro profissionais assassinados este ano, e é o décimo país do mundo mais perigoso para quem trabalha nos media.

Por mail e por sms, os servos de alguém que tem uma noção de democracia e de Estado de Direito similar à da Coreia do Norte, aproveitou a época natalícia para nos avisar que “vai-vos acontecer o mesmo”.

O regime já elaborou o seu plano e já estão contratados os assassinos, para eliminar sem deixar rastos, pelo menos dois jornalistas do F8.

“Como eles não querem vender o órgão, vamos acabar com a cabeça, para imobilizar o corpo todo, pois continuam a fazer estragos na imagem do camarada Presidente e do governo”, lê-se num informe dos Serviços de Inteligência.

Os visados na chacina planeada ao pormenor para 2015, planificada pelo regime de Eduardo dos Santos e sem que esta possa escudar-se num eventual desconhecimento, são habituais, nomeadamente, o nosso director, William Tonet “pela rudeza dos escritos, no seu jornal, onde não falta a regularidade de publicação de segredos do Estado, calúnia e difamação, contra o camarada Presidente José Eduardo dos Santos, sua família e dirigentes do partido, o MPLA e membros do governo”, justificam, no documento considerado SECRETO, os algozes da Segurança, para legitimar o plano macabro, depois da UGP (Unidade da Guarda Presidencial), exército reconhecidamente privado e ilegal à luz de um Estado de Direito, de José Eduardo dos Santos, ter falhado a sua morte, com o “abalroamento” da sua viatura no dia 29 de Setembro de 2013, na zona do Morro Bento, em Luanda.

O tom ameaçador subiu, na véspera do Natal, após publicação de uma entrevista concedida no Semanário Crime, onde William Tonet aborda com frontalidade questões do 27 de Maio de 1977, revelando pela primeira vez, que Angola ganharia mais caso se tivesse efectivado um golpe de Estado, liderado por Nito Alves.

Considerou, também, danosa a gestão e consolado do actual Titular do Poder Executivo, José Eduardo dos Santos, à época coordenador da Comissão de Inquérito, que não ouviu nenhum dos acusados.

O segundo é o jornalista, Orlando Castro – Chefe de Redacção -, acusado de dar vazão ao clamor dos cidadãos de Cabinda, logo promotor da tese independentista.

Ledo engano.

A nossa missão é informar e abordar, quando questionados os temas com frontalidade, fruto da manutenção da nossa independência individual. Estamos, aliás, convictos de só a verdade pode curar, por muito dolorosa que seja. Não somos, corrobore-se, responsáveis pelo facto de o Presidente José Eduardo dos Santos preferir ser assassinado pelo elogio do que salvo pela crítica.

Os assassinos, que nos ameaçam matar e atirar aos jacarés em 2015, fazem-no sempre em português escorreito, atiram a pedra e escondem a pata. Normal, portanto. Há muito que a cobardia assim funciona.

Como o nosso compromisso sagrado é apenas com o que pensamos ser a verdade, a luta é contínua e a (nossa) vitória será acertada, na democracia real, mesmo que alguns tombem pelo caminho. Talvez de derrota em derrota até à vitória final.

Recordemos agora e sempre Frei João Domingos quando afirmou que os políticos e governantes angolanos só estão preocupados com os seus interesses, das suas famílias e dos seus mais próximos.

“Não nos podemos calar mesmo que nos custe a vida”, disse Frei João Domingos, acrescentando “que muitos governantes que têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”.

Por tudo isso, Frei João Domingos sempre chamou a atenção dos angolanos, de todos os angolanos, para não se calarem, para “que continuem a falar e a denunciar as injustiças, para que este país seja diferente”.

Tendo em conta a crise de valores em que o país se encontra, Frei João Domingos sempre recomendou aos angolanos sem excepção para que pratiquem os valores que Jesus Cristo recomenda: solidariedade, justiça, amor, honestidade, dedicação ao outro, seriedade, paz, a vida, etc.

“O Povo sofre e passa fome. Os países valem pelas pessoas e não pelos diamantes, petróleo e outras riquezas”, dizia também Frei João Domingos.

O nosso país continua a ser palco de violações dos direitos humanos, nomeadamente contra todos aqueles que se atrevem a pensar de forma diferente do que está estabelecido pelo regime.

São muitos os relatos de violência, intimidação, assédio e detenções por agentes do Estado de indivíduos alegadamente envolvidos em crimes contra a segurança do Estado, ou seja, que pensam de forma diferente.

Por tudo isto, o Folha 8 continua de pé perante os donos do poder em Angola, aceitando – eventualmente – ficar de joelhos apenas perante Deus. É claro que, segundo o regime, José Eduardo dos Santos é um “deus”, mas perante esse e os seus capangas estaremos sempre de pé, por muitas e graves que sejam as ameaças.

CIDADÃOS PEDEM REALOJAMENTO CONDIGNO APÓS EXPOLIO DAS SUAS CASAS

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Cerca de 700 famílias instaladas à força nas tendas do bairro Areia Branca, depois de terem sido espoliadas das suas antigas terras e casas, na zona da Ilha de Luanda, onde a elite do regime, com os filhos presidenciais a cabeça vão instalar multimilionários condomínios, exigem um pouco de sensibilidade humana, ao Governo da Província de Luanda, liderado por um membro do bureau político do MPLA, Bento Bento, para os realojar em residências condignas, para seres humanos viverem

TEXTO DE ANTUNES ZONGO – Folha 8

Os autóctones residentes no bairro Areia Branca Povoado solicitam o “bom” senso do Executivo de Bento Bento para o prometido realojamento em casas condignas, em qualquer local da província, como forma de não continuarem a viver com o drama da sua “expulsão” compulsiva da Ilha de Luanda. “Fomos corridos como se fossemos bois, transportados em camiões de areia, pior que no tempo do colono. Aliás o MPLA está a dar continuidade e da pior forma o que o colonialista português nos fazia”, acusa o ancião mateus Vambi, no pedestal dos seus 75 anos de idade.

FUENTE: fullremix.netEstes autóctones despidos de capacidade financeira para adquirir casas ou outros terrenos, estão atados e, ao que parece, condenados a viver pior que os cães dos governantes, em tendas rotas e que são uma porta aberta para a entrada das águas das chuvas que se avizinham.

“Ademais aqui onde nos desterraram não existem escolas, hospitais, luz eléctrica e água potável, mas vimos a ser esbanjado milhões de dólares para a festa do presidente da República. Acredito que só o dinheiro do bolo do presidente serviria para resolver o problema de luz aqui no bairro”, asseverou Vambi.

O local é ladeado por duas valas de drenagem, inundadas de lixo e mosquitos face a actual realidade, o que faz os moradores lembrarem-se com lágrimas no canto dos olhos das suas anteriores habitações com as minímas condições.

“Para nossa desgraça, quando pensávamos star tudo bem, eis que por volta das 00h:20 min, do dia 01.06.13, o bairro foi assaltado por uma equipa incalculável de Fiscais, Polícias de Intervenção Rápida, Brigada Canina e o Exército, todos ostensivamente armados, para nos expularem, sem aviso prévio, nem diálogo do local”, lembrou António Barroso, antigo morador da Ilha de Luanda.

Na sua opinião, a UGP e os Serviços de Defesa e Segurança do Estado cercaram todo o perímetro da circunscrição e ao amanhecer, orientaram as outras tropas, para fazerem o trabalho sujo de retirada compulsiva dos moradores, muitos sem a possibilidade de retirarem os pertences pessoais e os móveis de casa, vendo desta forma o derrube de toda uma vida digna de trabalho e luta.

“Os vizinhos que tinham familiares e amigos para os albergar, saíram do local, mas nós ficamos por não termos a quem recorrer”, lembrou António Barroso.

É por demais cediço a forma bruta de actuar dos operativos dos órgãos de Defesa e Segurança quando mandatados por “ordens superiores” a actuar contra autóctones pobres, no caso, alguns barbaramente espancados, enquanto “outros vizinhos acabaram por morrer nas mãos dos referidos operativos da Polícia e do Exército”, contou, acrescentando “já sofremos tanto, pedimos ao GPL que quando nos retirar daqui, que respeite e ponha em prática o espirito e a letra do artigo 23º da Constituição da República de Angola, que garante sermos todos iguais perante a Constituição e a Lei”, aflorou outro morador.

“PRAVDA NEGA PUBLICAR DIREITO DE RESPOSTA”
“O Jornal de Angola negou-se a publicar o nosso direito de resposta, numa altura que fomos atacados injustamente”, denunciou um dos moradores da Areia Branca Povoado, acusando este órgão de ser cúmplice de injúria e difamação, perpretada pela Administradora adjunta para a área técnica do Distrito urbano da Samba, Madalena Manuel, na entrevista do 30.08.14, onde esta afirma estarem as famílias, no local à revelia depois de expulsas do sector A, também conhecido por bairro Areia Branca, onde construíram moradias sem a autorização das autoridades.

“Eles, por serem teimosos e oportunistas, alojaram-se ali sem as mínimas condições de habitabilidade possível, depois de terem sido expulsos de uma outra área da Kinanga”, acentuou Madalena Manuel, acrescentando que estão no local inclusive famílias que vivem noutros bairros.

Quando se aperceberam que a população da Areia Branca ia ser desalojada, tão rápido apareceram e construíram também os seus casebres no intuito de ganharem casas distribuídas pelo Governo. Temos provas disso”, declarou Madalena Manuel, em entrevista ao Jornal de Angola.
Por sua vez, os acusados classificam de infundadas as alegações da governante e avançam: “ela nunca foi ao nosso bairro, logo está desinformada”, disse contrariando a versão da governante de viverem na zona 4000 famílias.

“Isso também é mentira, somos somente 700 famílias, dados apurados pelos fiscais do GPL e pela comissão de moradores da Samba pequena”, asseverou Barroso.

“A mesma disse ainda na entrevista, que a maioria das mortes ocorridas na zona é consequência do excessivo consumo de álcool e que temos uma escola de quatro salas de aulas com quadro de papelão, no qual, os professores escrevem com carvão. Isso é pura mentira, a escola que ela se refere funciona no interior da comissão de moradores, os quadros que temos é de contraplacado de cor preta, e usamos o mesmo tipo de giz usados nos institutos médios do país, todos os meios escolares usados pelos professores e alunos, foi-nos doado pela Associação de algumas igrejas cristãs, onde se perfilam a IURD, Bom Deus e Assembleia de Deus Pentecostal”.

Um outro membro da comissão de moradores disse; “quanto as mortes, ela não é médica-legista, e nunca se fez uma autópsia que apontasse o álcool como causa das mortes no bairro”, estando sim provado que por incúria do governo, as valas de drenagens, as valas e buracos de água, associados ao lixo geram mosquitos e outros insectos, estes provocam pneumonia, diarreia, malária, paludismo e febre tifoide, e “são estas as doenças frequentemente diagnosticadas,pelo Centro médico da Kinanga ou hospital Josina Machel”, recordou.

Portanto, com objectivo de repor a verdade dos factos mediante o contraditório, os moradores da Areia Branca Povoado acorreram ao Jornal de Angola, onde a administradora directamente os acusou, “mas nos disseram que a jornalista que fez a entrevista não se encontrava na redacção e, nem que deixássemos o direito de resposta, não seria publicado”, contaram.

Os vizinhos que tinham familiares e amigos para os albergar, saíram do local, mas nós ficamos por não termos a quem recorrer

Ler ainda é uma miragem para 40% das crianças da África Subsaariana

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Por Orlando Castro

 escola

Cerca de 250 milhões de crianças no mundo não estão aprendendo a ler, revela um relatório da UNESCO, alertando que a educação está em crise, com os governos a precisarem de perto de 129.000 milhões de dólares anualmente.

Um ensino inadequado em todo o mundo deixou um legado de analfabetos mais generalizado do que se pensava inicialmente, avança o relatório anual da UNESCO.

O documento informa que uma em cada quatro crianças nos países pobres não consegue ler uma frase, com a percentagem a elevar-se para 40% nos países da África Subsaariana.

“Qual é o sentido da educação se as crianças após cinco anos na escola saem sem as habilitações que precisam?”, questiona Pauline Rose, responsável pelo relatório de cerca de 500 páginas sobre Educação Global.

Num terço dos países analisados, menos de três quartos dos professores do ensino primário existentes foram treinados para normas nacionais, enquanto 120 milhões de crianças em idade primária em todo o mundo tinham pouco ou nenhuma experiência escolar, de acordo com o relatório.

“Nos últimos dez anos, as pessoas que vivem nos grupos mais marginalizados continuaram a ser privadas de oportunidades educacionais”, frisou Pauline Rose no documento.

Trinta e sete países monitorizados pelo relatório estão a perder pelo menos metade do montante que gastam em educação primária, porque as crianças não estão a aprender, revela a UNESCO.

Em países desenvolvidos como França, Alemanha ou Reino Unido, os filhos de imigrantes ficam atrás dos seus pares, realizando muito pior as metas mínimas de aprendizagem. Também grupos indígenas na Austrália e Nova Zelândia enfrentam problemas semelhantes, revela o relatório.

“O acesso não é a única crise – a má qualidade está a atrasar a aprendizagem daqueles que conseguem ir à escola”, escreve a directora geral da UNESCO, Irina Bokova, no prefácio do relatório.

Cerca de 250 milhões de crianças em todo o mundo não aprendem o básico, segundo o documento, que lembra que em 2011 havia 57 milhões de crianças fora da escola, metade das quais em países afectados por conflitos.

Para ser alcançada uma melhoria, é necessário “professores competentes”, argumenta o relatório, chamando os governos “a formar e a colocar os melhores disponíveis para aqueles que mais precisam”.

Os professores devem receber formação inicial que combine “o conhecimento dos assuntos a serem ensinados com o conhecimento dos métodos de ensino”, bem como formação sobre “como concentrar a ajuda às crianças desfavorecidas”.

O relatório recomenda ainda que os professores sejam colocados “em áreas onde a ajuda é mais necessária, criando incentivos para que se comprometa a educação a longo prazo, como “um salário que corresponda, pelo menos, às suas necessidades básicas, boas condições de trabalho e uma oportunidade de carreira”.

“Novos Ricos são como a cerveja tirada à pressão: num instante, mas a maior parte é só espuma” – Mia Couto

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Lisboa – Rico é quem possui meios de produção. Rico é quem geradinheiro» dá emprego. Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro. Ou que pensa que tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele. A verdade é esta: são demasiado pobres os nossos “ricos”. Aquilo que têm, não detêm. Pior, aquilo que exibem como seu, é propriedade de outros. É produto de roubo e de negociatas. Não podem, porém, estes nossos endinheirados usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram. Vivem na obsessão de poderem ser roubados.

Fonte: Mia Couto

“Novos Ricos angolanos”: São nacionais só na aparência porque estão prontos a serem moleques de estrangeiros

Necessitariam de forças policiais à altura. Mas forças policiais à altura acabariam por os lançar a eles próprios na cadeia. Necessitariam de uma ordem social em que houvesse poucas razões para a criminalidade. Mas se eles enriqueceram foi graças a essa mesma desordem.

mia couto

O maior sonho dos nossos novos-ricos é, afinal, muito pequenito: um carro de luxo, umas efémeras cintilâncias. Mas a luxuosa viatura não pode sonhar muito, sacudida pelos buracos das avenidas.

O Mercedes e o BMW não podem fazer inteiro uso dos seus brilhos, ocupados que estão em se esquivar entre chapas muito convexos e estradas muito côncavas. A existência de estradas boas dependeria de outro tipo de riqueza Uma riqueza que servisse a cidade. E a riqueza dos nossos novos-ricos nasceu de um movimento contrário: do empobrecimento da cidade e da sociedade.

As casas de luxo dos nossos falsos ricos são menos para serem habitadas do que para serem vistas. Fizeram-se para os olhos de quem passa. Mas ao exibirem-se, assim, cheias de folhos e chibantices, acabam atraindo alheias cobiças. O fausto das residências chama grades, vedações electrificadas e guardas privados. Mas por mais guardas que tenham à porta, os nossos pobres-ricos não afastam o receio das invejas e dos feitiços que essas invejas convocam.

Coitados dos novos ricos. São como a cerveja tirada à pressão. São feitos num instante mas a maior parte é só espuma. O que resta de verdadeiro é mais o copo que o conteúdo. Podiam criar gado ou vegetais. Mas não. Em vez disso, os nossos endinheirados feitos sob pressão criam amantes.

Mas as amantes (e/ou os amantes) têm um grave inconveniente: necessitam ser sustentadas com dispendiosos mimos. O maior inconveniente é ainda a ausência de garantia do produto. A amante de um pode ser, amanhã, amante de outro. O coração do criador de amantes não tem sossego: quem traiu sabe que pode ser traído.

Os nossos endinheirados às pressas, não se sentem bem na sua própria pele. Sonham em ser americanos, sul-africanos. Aspiram ser outros, distantes da sua origem, da sua condição. E lá estão eles imitando os outros, assimilando os tiques dos verdadeiros ricos de lugares verdadeiramente ricos.

Mas os nossos candidatos a homens de negócios não são capazes de resolver o mais simples dos dilemas: podem comprar aparências, mas não podem comprar o respeito e o afecto dos outros. Esses outros que os vêem passear-se nos mal explicados luxos. Esses outros que reconhecem neles uma tradução de uma mentira. A nossa elite endinheirada não é uma elite: é uma falsificação, uma imitação apressada.

A luta de libertação nacional guiou-se por um princípio moral: não se pretendia substituir uma elite exploradora por outra, mesmo sendo de uma outra raça. Não se queria uma simples mudança de turno nos opressores. Estamos hoje no limiar de uma decisão: quem faremos jogar no combate pelo desenvolvimento? Serão estes que nos vão representar nesse relvado chamado “a luta pelo progresso”? Os nossos novos ricos (que nem sabem explicar a proveniência dos seus dinheiros) já se tomam a si mesmos como suplentes, ansiosos pelo seu turno na pilhagem do país.

São nacionais mas só na aparência. Porque estão prontos a serem moleques de outros, estrangeiros. Desde que lhes agitem com suficientes atractivos irão vendendo o pouco que nos resta. Alguns dos nossos endinheirados não se afastam muito dos miúdos que pedem para guardar carros.

Os novos candidatos a poderosos pedem para ficar a guardar o país. A comunidade doadora pode irás compras ou almoçar à vontade que eles ficam a tomar conta da nação. Os nossos ricos dão uma imagem infantil de quem somos. Parecem crianças que entraram numa loja de rebuçados. Derretem-se perante o fascínio de uns bens de ostentação.

Servem-se do erário público como se fosse a sua panela pessoal. Envergonha-nos a sua arrogância, a sua falta de cultura, o seu desprezo pelo povo, a sua atitude elitista para com a pobreza. Como eu sonhava que Moçambique tivesse ricos de riqueza verdadeira e de proveniência limpa! Ricos que gostassem do seu povo e defendessem o seu país. Ricos que criassem riqueza. Que criassem emprego e desenvolvessem a economia. Que respeitassem as regras do jogo. Numa palavra, ricos que nos enriquecessem.

Os índios norte-americanos que sobreviveram ao massacre da colonização operaram uma espécie de suicídio póstumo: entregaram-se à bebida até dissolverem a dignidade dos seus antepassados. No nosso caso, o dinheiro pode ser essa fatal bebida.

Uma parte da nossa elite está pronta para realizar esse suicídio histórico.

Que se matem sozinhos. Não nos arrastem a nós e ao país inteiro nesse afundamento.

Regime angolano quer assassinar o “Folha 8”

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Orlando Castro
Jornalista, Editor de Política do jornal “Folha 8”

Coisas tão banais como casa, saúde, educação, comida, não são preocupações essenciais para os que dirigem o país. E é por isso que no nosso país há muitos que vivem para roubar e outros que roubam para viver.

folha 8

O Ministério da Comunicação Social (MCS), reflectindo desde logo pela sua própria existência a distância que nos separa de um democracia e de um Estado de Direito, entende que nós aqui no “Folha 8” devemos corrigir, imediatamente, a nossa conduta, porque, diz, apelamos desordem pública e mesmo à sublevação.

“O Ministério da Comunicação Social adverte que, em caso de não acatamento desta decisão, essas medidas de correcção podem culminar na suspensão temporária das emissões da Rádio Despertar, até decisão definitiva dos órgãos judiciais, assim como do Semanário Folha 8”, lê-se num comunicado oficial hoje divulgado em Luanda.

Curiosamente, o MCS reitera o engajamento na defesa intransigente da liberdade de expressão e de imprensa, consagradas na Constituição, e incentiva todos os órgãos de comunicação  social do país a prosseguirem no cumprimento da sua linha editorial, no quadro da ética e deontologia profissionais.

Se o jornalista não procura saber o que se passa é um imbecil. Se sabe o que se passa e se cala é um criminoso. O regime sabe que no “Folha 8” esta é uma regra de ouro. É, aliás, uma regra comum em qualquer democracia ou Estado de Direito. Se não pode ser aplicada em Angola talvez seja, salvaguardemos a impoluta e divina análise do MCS, porque o nosso país ainda não é uma democracia e um Estado de Direito.

Sabemos que o MCS advoga a liberdade de Imprensa, sendo essa tese que levou – por exemplo – a que a nossa Redacção fosse há pouco mais de um ano (12 de Março de 2012) invadida por cerca de 15 homens  da DNIC – Direcção Nacional de Investigação Criminal  sob mandato da Procuradoria Geral da Republica.

Bem vistas as coisas, ao mesmo tempo que alguns ditadores (ainda poucos, é certo) vão caindo, o mundo dito (nem sempre é verdade, mas…) democrático gera outros e aguenta alguns que ainda não passaram de bestiais a bestas.

O  governo angolano não tem tido vontade, embora tenha os meios, para resolver os problemas de água, luz, lixo, saúde, trabalho, habitação e educação dos angolanos. A juventude não tem casa, não tem educação, emprego e não tem futuro. Os trabalhadores têm salários em atraso e não conseguem obter crédito bancário.

E quando algum jornal resolve dizer, mesmo que com alguns excessos, estas verdades entra imediatamente na linha de fogo do regime. O “Folha 8” está nessa linha há muito, muito tempo. Todos sabemos que a fase do mata primeiro e pergunta depois está para breve.

Coisas tão banais como casa, saúde, educação, comida, não são preocupações essenciais para os que dirigem o país. E é por isso que no nosso país há muitos que vivem para roubar e outros que roubam para viver. É claro que dizer isto é, de acordo com a noção de liberdade de Imprensa do regime, um crime.

Todos sabem, até mesmo os mais altos dirigentes do país, que se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. Dizemos nós como dizem as mais sérias e credíveis organizações internacionais. No entanto,  como o regime não pode calar essas instituições, tenta calar a qualquer preço os mensageiros internos.

Só em ditadura, mesmo que legitimada pelos votos comprados a um povo que quase sempre pensa com a barriga (vazia) e não com a cabeça, é possível estar tantos anos no poder. África é um alfobre constante e habitual de conflitos armados porque a falta de democraticidade obriga a que a alternância política seja conquistada pela linguagem das armas. Há obviamente outras razões, mas quando se julga que eleições (quando as há) são só por si sinónimo de democracia está-se a caminhar para o que Angola é hoje. Uma democracia de jure que não de facto.

No nosso caso, a guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau. Permitiu ao actual presidente perpetuar-se no poder, tal como permitiu que a UNITA dissesse que essa era (e pelo que se vai vendo até parece que teve razão) a única via para mudar de regime.

É claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para canhão. E quando, como é o caso do “Folha 8”, alguém procura dar voz a quem a não tem, os arautos da liberdade de Imprensa “made in MPLA” pegam na pistola.

Não é, reconheça-se, difícil compreender a posição daqueles que consideram o nosso regime como o mais puro, vernáculo, impoluto e honorável exemplo de democracia. De facto, sendo Angola um país muito rico, é muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder durante toda a vida, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.

É, como agora acontece, muito mais fácil negociar com um núcleo restrito de pessoas que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracias, representante temporário do povo soberano.

A partir  do momento em que deixou de ter Jonas Savimbi como bode expiatório para tudo, o regime arranjou outros alvos. Um deles foi a Imprensa que, apesar das dificuldades, ainda vai dizendo algumas verdades. Daí a razão pela qual, mais uma vez, os donos do país querem calar o “Folha 8”.

Desde 2002, o presidente vitalício (ao que parece) de Angola tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente quase todos aqueles que lhe poderiam fazer frente.

E quando aparecem pessoas como os jornalistas do “Folha 8” que não estão à venda, e que por isso incomodam e ameaçam o regime, há sempre forma de os fazer chocar com uma bala, mesmo quando está chega acompanhada com um cartão que diz “a bem da liberdade de Imprensa”.

Acresce, e nisso os angolanos não são diferentes de qualquer outro povo, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não admira por isso que o regime tenha cada vez mais seguidores, sejam militares, políticos, empresários ou jornalistas.

É claro que, enquanto isso, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois… com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as assimetrias sociais são chagas imputáveis ao Poder.

Vale, ao menos, que a equipa do “Folha 8” consegue dar voz a quem a não tem. O regime sabe que a verdade dói, mas ainda não compreendeu que – apesar disso – só ela pode curar.

É verdade que o regime pode fazer quase tudo o que lhe apetece. Mas a dignidade dos jornalistas do “Folha 8” ele não pode tirar. Nem o facto, que certamente o incomoda, de o “Folha 8” fazer parte da História de Angola e da Lusofonia, seja quem for que a venha a escrever.

Não é que o regime se preocupe muito com isso. E o caso do comunicado do Ministério da Comunicação Social sobre o “Folha 8” revela que o regime ainda tem mais trunfos. A fase do mata primeiro e pergunta depois está mesmo para breve.

 

Cabinda à Busca de si Mesmo – Os Resultados do Memorando de Entendimento de 2006

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Mesa Redonda sobre a Situação da Paz em Angola de 14 a 15 de Janeiro de 2013 em Windhoek, na Namíbia

Orador: José Marcos Mavungo
(Activista dos Direitos Humanos e Membro da Sociedade Civil de Cabinda)

0. Introdução

Minhas Senhoras, meus senhores, amigos,

marcos mavungo quintasCom uma saudação muito cordial aos participantes desta Mesa Redonda e as maiores felicitações aos seus promotores, congratulo-me por poder estar aqui hoje, não obstante o clima de intolerância política em Angola (onde o debate sobre Cabinda continua a ser um assunto proibido em órgãos de comunicação oficial), para dissertar sobre o tema: Cabinda à Busca de si mesmo – Os Resultados do Memorando de Entendimento de 2006.

Como tema, podemos considerá-lo no centro das preocupações dos organizadores desta Mesa Redonda, relevando de maneira particular, a afirmação do Dr Francisco Kapalu Ngongo, segundo a qual «Angola se encontra numa encruzilhada: ou aborda os actuais dilemas e conflitos latentes, do ponto de vista político, social, económico e cultural, o que poderia aprofundar e garantir uma paz duradoira e um desenvolvimento sustentável, ou ignora os indicadores de alerta de existência de conflitos, e prepara um futuro preenche de apreensões».

Assim, em confronto com a realidade do território de Cabinda, a manutenção da actual relação explosiva do Estado angolano com a população de Cabinda será sempre um verdadeiro barril de pólvora, pronto a explodir. À luz desta situação, a sociedade Civil de Cabinda sente sobre os seus ombros o peso enorme dos desafios do nosso presente. Por isso, tinha que honrar os meus compromissos, já muto antigos, de estar aqui para vos falar do processo de Paz para Cabinda.

Nesta perspectiva, o percurso desta reflexão vai começar por abordar os contornos do conflito e os esforços empreendidos até cá para sua resolução. Em seguida, passarei em revista o Memorando de Entendimento. E, por fim, examinarei as perspectivas de uma paz duradoira para Cabinda. A conclusão nos dará os resultado da reflexão e recomendações.

1. O Conflito em Cabinda: Origens e Esforços de Resolução.

A «questão de Cabinda», não surge, desde o princípio e de uma vez por todas, como um problema socioeconómico, ou como o estrénuo contraditor do Direito internacional. Ao contrário, a sua produção, no que tem de essencial, se constitui problemática em torno do direito dos Povos a dispor de si mesmos; pois se é que a “Carta Colonial” fazia uma distinção nítida entre Cabinda e Angola, sendo aquele colocado sob o no. 39 Estado a descolonizar e este sob o no. 35, como explicar que Cabinda seja uma excepção às consequências lógicas advindas deste facto durante o processo de descolonização?

cabindapoliciaestadodesitioMais do que um problema jurídico, a tensão entre Cabindas e Angolanos se evidencia também como a resultante de uma identidade imposta pela forca das baionetas, e não a resultante do consentimento mútuo entre ambos os povos, o que levanta o problema da legitimidade da tal imposição.

A maneira de assumir esta problemática pelas partes se cristalizou em expressão eloquente de um conflito e de uma ruptura, a “questão de Cabinda”. Trata-se duma questão, como dizia Francisco Luemba, cuja génese situamos “na sua história remota, enraizando – se nela e apreendendo as metamorfoses que sofreu ao longo da sua evolução histórica “. Três factos fundamentais marcaram esta evolução:

• O Especificidade de Cabinda, que advêm da história – muito antes das invasões dos bakongo, já o território era habitado por povos banto, que, em contacto com a terra e os outros povos que afluíram a região ao longo da história, acabaram por se constituir em três reinos – Macongo, Mangoio e Maloango – com uma identidade histórica própria e uma vontade de vida em comum.

• O Tratado de Simulambuco e a colonização portuguesa: com a assinatura do tratado a 1 de Fevereiro de 1885, Cabinda torna-se Protectorado português. O tratado aparecerá aos Cabindas como garantia da sua independência, da sua soberania e identidade, e da unidade e integridade do seu território; um fundamento inequívoco para a sua autodeterminação e independência. Mas, logo após a assinatura do acordo, as expectativas dos Cabindas se traduzirão em ilusão com a implementação da política colonialista, mesmo se a Constituição Portuguesa de 1933, que vigorou até a descolonização, fazia uma distinção nítida entre Cabinda e Angola .

• Os Acordos de Alvor, assinados a 15 de Janeiro de 1975 , nos quais as partes estipularam no artigo 3º. in fine que Cabinda é parte integrante e inalienável do território angolano, sem o prévio consentimento dos autóctones do Enclave. No dizer de Francisco Luemba, o ” pós-Alvor seria praticamente o pós-Simulambuco: esperanças frustradas e dias amargos, de tristeza, luto e dor – no mais absoluto isolamento e no mais completo abandono” .

O desastre da descolonização portuguesa, em especial a assinatura dos Acordos de Alvor, marcará a etapa dum conflito de grandes proporções, com a ofensiva de 8 de Novembro de 1975 e o eclodir de cenários de teatro estratégicos que atingiram o patamar de guerrilha, opondo as tropas governamentais de Luanda e a resistência armada de Cabinda (organizada no seio da FLEC – Frente de Libertação do Enclave de Cabinda).

Com a escalada de violência, a maioria dos Cabindas refugiou-se sobretudo no Congo –Brazzaville, Congo-Kinshasa e Gabão – Libreville. A intensidade do conflito provocou a degradação da situação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, destruiu o tecido social e as infra-estruturas económicas, ocasionando a pobreza generalizada e o constante clima de repressão e de terror.

Note۔se que, muitas vezes, em simulações, os actuais governantes de Cabinda têm fingido encontrar-se com a FLEC, as populações e as elites de Cabinda, e brincado de engrandecê۔los e escutá۔los com boas palavras, para depois mostrar lhes os limites da sua política para Cabinda.

Por exemplo, logo apos independência de Angola, a 16 de Fevereiro de 1976, Agostinho Neto assume o compromisso de solucionar o problema de Cabinda pela via do diálogo . A 28 de Fevereiro de 1976, Agostinho Neto e Mobuto Sese Seko reuniram-se em Brazaville, sob os auspícios de Marien Ngouabi. O primeiro, depois de coagir o segundo a renegar a FLEC e a FNLA e a reconhecer a angolanidade de Cabinda, proclamou por sua vez a especificidade de Cabinda (o particularismo de Cabinda) e prometeu solenemente encontrar para esta uma fórmula de administração. Mas nada foi feito até hoje.

Além de vamos conversar!- de Fevereiro de 1991, o presidente José Eduardo dos Santos considerou, em Fevereiro de 2002, que Cabinda seria também ” uma questão a tratar no âmbito da reforma constitucional”. Assim será possível “saber o que é que os angolanos todos querem, qual a sua opinião sobre Cabinda. “Trata-se de uma consulta popular dirigida a todos os angolanos”, afirmou o Presidente angolano. Acresce que o Presidente de Angola prometeu aos Cabindas, em Setembro de 1992, negociações destinadas a determinar se Cabinda é ou não Angola.

Passaram anos, e a realidade provou que as hipotéticas negociações prometidas a contragosto não passavam de simples oportunismo, manobra de diversão ou manipulação. Certo, a história da luta do povo de Cabinda registou canais de diálogo com o Estado angolano, mas os resultados dos encontros se revelaram pouco palpáveis, após tantos anos de “guerra-contínua” em que o Poder político dominante apenas procurou mobilizar uma grande máquina de guerra para esmagar os oponentes.

A história da luta do povo de Cabinda está cheia destes encontros desde os anos 1984: Negociações de Sáfica, entre 1984 e 1985, que culminaram com um cessar-fogo a 16 de Fevereiro de 1985 com as FAPLA, sob a mediação cubana; De Junho a Julho de 1992, O Governo angolano enceta contactos com a FLEC de Luís Ranque Franque e a UNLC de Lumimgu Gimby Carneiro, tendo chegado a um acordo de negociações que deveriam ter lugar em Genebra; a 25 de Fevereiro de 1994, Eduardo dos Santos encontra-se com Nzita Tiago, propõe um cessar-fogo «para iniciarmos negociações conducentes a uma solução do diferendo que nos opõe sobre o território de Cabinda»; Negociações entre a FLEC Renovada e o Governo Angolano, nos anos 1995 e 1996, que acabarão por estender-se à FLEC/FAC.

Em todos estes encontros, a controvérsia da paz está sempre ligada a jogos divisionistas que em todos estes anos serviram aos dirigentes de Luanda. E além de que o principio do respeito da Constituição é em todas estas negociações ilegitimamente posto como absoluto, acontece quase sempre que o governo angolano procura expedientes e pretextos tais como a falta dum interlocutor válido e a desunião dos Cabindas. Por todas estas razões, os encontros e negociações organizadas até cá não deram avanços em direcção à Paz.

Aparentemente, a sociedade civil de Cabinda acordou tarde para os esforços de pacificação de Cabinda. Pelo menos para o seu envolvimento como instituição organizada; pois só foi em 2003 que se criou uma instituição da Sociedade Civil, a Mpalabanda – Associação Cívica de Cabinda, cuja vocação é, entre outras, participar dos esforços tendentes à encontrar uma paz duradoira para Cabinda.

Nos seus compromissos, a Mpalabanda tentará responder à urgência da hora presente (do nosso «kairós»), do contexto epocal: alertará o mundo sobre a existência do conflito em Cabinda e pedirá aos beligerantes a cessarem as hostilidades e iniciarem negociações conducentes a uma solução do diferendo; esforçar-se-á por ser a ponte entre o povo e o político; tomará parte nos encontros de Helvoirt, na Holanda, em esforço de aproximação entre as forças da resistência cabindesa; marcou presença no encontro preparatório da Inter – Cabindesa (Outubro de 2009), em Paris/França, sob os auspícios do Reverendo Pastor Daniel Ntoni-Nzinga, em vista a uma plataforma negocial do conflito; e tentará monitorar os direitos humanos (o corolário da questão de Cabinda), publicando três relatórios – «Um Ano de Dor em Cabinda» (2003), «Cabinda, Reino da Impunidade » (2004) e «Cabinda, entre a Verdade e a Manipulação» (2005).

Mas mesmo essa boa-vontade fracassará. A maldade em tudo isto provém dum facto radical: não haver uma vontade seria do governo de Luanda em se encaixar no próprio destino do povo de Cabinda. E o Memorando de Entendimento para a Paz e a Reconciliação da Província de Cabinda é um exemplo desta perversão.

2. O Memorando de Entendimento

Os princípios fundamentais do “Memorando de entendimento” consagram o respeito da lei Constitucional e as obrigações legais em vigor em Angola; afirmam a aceitação indubitável, pelas partes, pelo facto que Angola é um Estado unitário e indivisível segundo a lei; afirmam que as partes reconhecem que, no contexto nacional da República de Angola, a Província de Cabinda tem uma especificidade que obriga que, no âmbito das disposições legais sobre a administração das províncias, seja adoptado ” um estatuto especial” para a Província de Cabinda.

As partes assentaram em que se chegou à paz e à reconciliação nacional em Cabinda (a Paz veio para ficar), desenvolvendo um discurso sobre “triunfo da vitória sobre todos aqueles que ainda resistiam ao acordo de Namibe. Para o efeito, mobilizaram o apoio da massa à sua cruzada contra os espíritos reticentes e os governos liberais, com o apoio da poderosa imprensa estatal, que dota o acordo de uma natureza arquitectónica bem delineada. Mas a questão de Cabinda não é assim tão simples. O campo de batalha se prolonga até hoje, e provavelmente por um período longo e ainda sinuoso.

Reconheço o cuidado com que as partes do memorando tentaram analisar a questão de Cabinda, ao reconhecerem a especificidade do povo de Cabinda, sinal de que o tema interpela o intelecto humano, em particular aquele do político. Acho, porém estranho, que, depois de discussões sobre o assunto, tenham ignorado, entre outros, os seguintes aspectos: o objecto principal (protectorado português) da “especificidade” do território de Cabinda; o significado político e jurídico do Tratado de Simulambuco, o Protectorado português; e o erro dos Acordos de Alvor, o que teria permitido abordar as verdadeiras diferenças entre Angola e Cabinda.

A palavra “especificidade” de um povo está registada, em bons dicionários, como significando o mesmo que “particularidade”, “identidade” que condensa uma metafísica à altura do intangível, tendo encontrado efectivação histórica nos diversos estádios culturais vividos por esse mesmo povo. Ora, no caso de espécie, não se pode falar do povo de Cabinda sem referência à sua alma e história, em especial das condições da sua integração na nação Portuguesa e dos seus direitos como povo.

Disto segue-se que a aporia no contexto do Memorando de Entendimento é patente: a especificidade do povo de Cabinda é proposta como absoluta para a paz, mas o fundamento aduzido para a natureza do povo, que se pretende defender, é excêntrico. De recordar que, em Julho de 2003, o presidente José Eduardo dos Santos declarou-se sensível às especificidades históricas de Cabinda e às «reivindicações básicas» . Porém, a «Vox Popoli» não revela em absoluto aos caudilhos de Luanda o direito de que o povo de Cabinda é portador como povo, nem qualquer disposição geral ou particular que defina o que virá a ser a nova personalidade política, jurídica e administrativa para Cabinda.

Deste modo, ao impor o princípio de só existir um povo, o povo angolano de Cabinda ao Cunene, e de fazer do modelo de integração a única base de diálogo, o pacto firmado a 1 de Agosto no Namibe é, como dirá Carlos Pacheco, «erguido sobre as tábuas ideológicas da arrogância centralista e do desprezo pelos oponentes» .

A este respeito, importa sublinhar que o Governo angolano tomou sempre muito gosto pela lógica de esmagar os oponentes pela sua força bruta. Por esta razão, temos a incorporação das forças afectas a Bento Bembe nas Forças Armadas Angolanas (FAA), de entre as prioridades do acordo. A aspiração imediata do regime era assegurar essa força para, apoiado nela, chegar à uma vitória militar sobre aqueles que ainda se constituiriam em «estado de guerra» contra «a vontade das autoridades de Luanda».

A fragilidade do acordo reflecte-se também no ostracismo a que foi votado: a expulsão de instituições e personalidades chaves e prestigiadas ligadas ao próprio processo de paz, ou que, pelo menos se prontificaram a oferecer os seus préstimos ao processo. Mas a expressão mais eloquente deste ostracismo está sobretudo no facto de o Líder Supremo ter confiscado para si o monopólio da «questão de Cabinda» – como uma espécie de segredo de estado – e exclui a possibilidade de conferir ao povo de Cabinda de se pronunciar sobre o seu destino. Mas fá-lo como atitude de necessidade, e não com a cegueira dogmática que impele os outros. Sendo uma herança colonial a conservar, o Governo angolano considera que tudo quanto pudesse ultrapassar os impasses de um diálogo autêntico sobre Cabinda era uma afronta aos próprios deuses do actual figurino sociopolítico e jurídico herdado de uma descolonização desastrosa.

De referir a problemática relacionada com a pessoa que negociou o acordo pelo lado de Cabinda. A faceta obscura das peripécias da sua evasão da Holanda, depois que foi detido na sequência do mandato de captura internacional expedido pelas autoridades norte-americanas, teve um efeito fatal sobre o processo de paz para Cabinda. Procurando tirar vantagens da situação, como o navegante à vela, perito em ventos e suas surpresas, o Governo angolano conseguirá arrastar Bento Bembe pelas espirais do seu discurso demagógico e inevitavelmente forçado a seguir adiante, abraçando a sombra do «único interlocutor válido de Angola no dossier Cabinda».

Notemos que o Memorando de Entendimento para a paz em Cabinda sofre duma contradição interna desde o seu nascimento – dum lado o acordo se apresenta como a libertação da última escravatura, aquela do longo conflito pelo Estatuto especial; mas também em reacção contra os direitos e liberdades fundamentais a paz do Namibe estendeu-se a considerações que interditam opinar sobre ela, instaurando deste modo uma nova era de perseguições republicanas contra todos quantos ousassem questionar as suas clausulas.

O maior escândalo provocado pelo regime a este respeito é o drama dos activistas dos direitos humanos em 2010: foram presos sob pretexto de terroristas por denunciar atropelos à justiça, à liberdade e aos direitos das pessoas e por participarem no processo de Paz para Cabinda, num tempo em que o próprio conceito de denúncia das violaçõs dos direitos humanos e de defesa duma cultura de paz constituem deveres de todo o cidadão, e, por conseguinte, devem merecer o apoio e a protecção dos poderes políticos.

Por outro lado, as partes nas negociações de Namibe assumiram o compromisso de criar condições para acelerar o desenvolvimento de Cabinda, permitindo que as suas populações desfrutem de todas as suas potencialidades, tendo em conta o pressuposto da paz, estabilidade, reconciliação e democracia. Porém, nos termos do no.1, do artigo 7, da Lei n. 26/10 de 28 de Dezembro, o executivo angolano acabará por decretar a cessação da transferência mensal dos recursos financeiros ( dez porcento da receita petrolífera) a favor do Governo Provincial de Cabinda, que se vinha realizando nos termos da Resolução no. 11/92, de 21 de Outubro. Ademais, a Província de Cabinda, que ocupou o segundo lugar na atribuição do Orçamento Geral do Estado em 2007, aparece hoje no 10º. lugar.

Daqui vê-se claramente, um pseudo processo de paz que viciado por preconceitos ideológicos e interesses petrófobos, se estrutura nas busca de uma síntese em torno do status quo, deixando espaço a uma visão irrealista da “questão de Cabinda”. Donde a escassa aceitação popular do Memorando de Entendimento; a afirmação de um activismo oposicionista, que condenou e rachou o acordo como uma imposição arbitrária de Luanda; e o recrudescimento dos confrontos armados no interior de Cabinda.

Assim, Angola deixa a situação na delonga e investe na solução militarista, convencida, com razão – na sua própria lógica belicista – que o tempo trabalha a seu favor; esquecendo – se, certamente, do efeito boomerang. Aliás, a história nos ensina que a força não faz o direito, e que guerrilheiros quase nunca são derrotados, que no longo prazo esses «Davids» derrotam «Golias» pela estratégia de saturação.

Hoje, a paz em Cabinda é uma paz dos cemitérios, dos rendidos e mutilados (físicos e espirituais). O diagnóstico da violência e da cultura do medo em Cabinda se traduz numa psicose colectiva, cada um dos Cabinda tem uma história de terrorismo de Estado, particular, para contar sobre brutalidade do regime em Cabinda contra as populações indefesas: prisões, violações, espancamentos, o assassinato e a deportação de um familiar, interdições de ir às lavras e à caça, de legalizar associações de direitos humanos ou de organizar manifestações.

A sinfonização (menção ao sinfo) e militarização do espaço vital dos Cabindas continua atingindo o aparelho judiciário, estando este corroído pelo autoritarismo do poder político, donde resulta a frequência de prisões arbitrárias e assassinatos. Exemplo cabal disso: no dia 12 de Dezembro de 2011, o corpo de António Zau foi encontrado inerte na mata com sinais visíveis de tortura, pelo simples facto de ter ousado ir à lavra, desobedecendo assim as interdições das instâncias superiores; Venâncio Chicumbo e Cornélio Sambo estiveram sob detenção no Comando da Região Militar de Cabinda durante dois meses, entre Setembro e Novembro de 2012, pelo simples delito de lerem e distribuírem panfletos que condenavam as eleições em Cabinda.

Por outro lado, o salto extrajudiciário dado pelo Governo, aquele que accionou a ilegalização da Mpalabanda em Julho de 2006, inscreve-se nesta lógica do autoritarismo do poder político sobre a razão jurídica – pois o Tribunal Provincial de Cabinda não teria ousado formular a hipótese da extinção desta associação, se na consciência do Juíz não tivesse encontrado a sua realização viva como sendo uma ordem das instâncias superiores.

No plano socioeconómico, o desenvolvimento tão propalado pelo regime não passa do decalque do Plano Calabube , indevidamente gerido pelos sucessivos governos que passaram por Cabinda desde os anos noventa. Com efeito, mal um governador chega a Cabinda cai adormentado em negócios locais e aplica-se em aterrorizar pela força das baionetas os negociantes e activistas locais que se manifesta inconformados com obscenidades, torpezas e a má gestão dos planos de desenvolvimento local.

O mal-estar que provoca esta situação é enorme. A indústria petrolífera gera milhões em Cabinda; mas a maioria da população vive em pobreza abjecta. Cabinda está asfixiado, com uma rigorosa tempestade que causa muita crise; obstáculos ao seu desenvolvimento industrial e comercial; os serviços de infra-estructuras básicas de água potável, electricidade e saneamento mal funcionam; e o empobrecimento da população autóctone. O empresariado local encontra-se empobrecido pela irracionalidade duma governação que o discrimina. O sector de saúde queixa-se de quase tudo (material gastável, medicamentos para primeiros socorros, soros, etc.), para além do salário de miséria dos agentes de saúde.

A nível da comunidade internacional, como diz Orlando Castro: «”a passividade também é plena, para além de atávica, Só Manuel Monteiro teve a coragem de dizer em relação a Cabinda que ” no plano das relações internacionais reina o primado do cinismo” e que ” as considerações de justo ou injusto dependem das épocas, das circunstâncias e até dos interesses materiais”».

Nota-se aqui a dimensão histórica e cultural da questão de Cabinda, ao seu enredamento nos interesses sociais, políticos e de poder, o possível carácter alienante da petro-cultura como sintoma da patologia das instituições sociopolíticas dos nossos estados minados pelos interesses petrolíferos. No passado, era a escravatura colonial, hoje não há mais negros para comercializar no mercado de Malembo, mas há o petróleo de alta qualidade, que jorra profusamente das plataformas de Cabinda.

É, assim, que o petróleo alimentou em Angola todos os vícios políticos possíveis: belicismo cultural, corrupção e falta de transparência na gestão da coisa pública, despotismo e estratégias escudando no simulacro do diálogo e de uma paz.

Donde, a necessidade superar os obstáculos e as contradições do memorando de Namibe.

3. Para Além do Memorando: Exigências de uma Paz Duradoira

Se é que a questão de Cabinda surgida em 1885 aquando da conferência de Berlim não encontrou solução até hoje, é porque as políticas da sua gestão ao longo destes cento e trinta e oito anos às quais ela se ataca permaneceram sempre pobres ao reprimirem o testemunho da consciência moral, revelando-se assim incapazes de cultivar a cultura da paz e, por conseguinte, de fazer justiça às populações de Cabinda.

O discurso político nunca esteve em condições de ir ao encontro das disposições legítimas das populações de Cabinda ou, pelo menos, de instaurar uma sociedade democrática e de direito, na qual se respeita o Direito e as liberdades fundamentais, se aceita opinião contrária e a identidade do povo de Cabinda.

O diálogo tão propalado pelo regime desde a acessão de Angola à independência tem sido duramente abalado pela violência política – onda de detenções, fuzilamentos, torturas e desaparecimentos com que o regime tenta combater toda a oposição à sua politica em Cabinda.

O governo angolano apresentou a sua mensagem ao mundo, parecendo de certa forma fechá۔la nos estreitos limites dos seus interesses políticos e económicos em Cabinda. É o conflito do direito com o político, num ser político sacudido entre os apetites suscitados por um labirinto rico em matérias primas, sobretudo o petróleo, e as exigências do humanismo jurídico. É por isso que no Memorando de Entendimento de 2006, assim como nos Acordos de Alvor, a sociedade cabindense, de facto, desnudou-se totalmente da «sua soberania como povo».

Hoje, o conflito é uma realidade. O presente malogro do povo de Cabinda tal como se constituiu desde a assinatura dos Acordos de Alvor – e mesmo, em certa medida, desde a colonização portuguesa – provoca a necessidade de um novo figurino socio-politico para Cabinda que todos aguardam, uns com angústia, outros cheios de esperança.

As politicas seguidas até cá não servem, é necessário outra geração de políticos e de politicas, que pensa mais no bem das populações de Cabinda do que no seu próprio bem, que abandona as políticas centralistas-estalinistas; que reconheça a legitimidade das forças da resistência de Cabinda; que abdica de restrições na mesa de negociações; e que se engaje num processo de paz para Cabinda fundada na justiça e dignidade dos povos.

O respeito por esta dignidade começa pelo reconhecimento e pela tutela do estatuto ontológico-jurídico do povo de Cabinda, do seu direito a viver como povo e de fazer escolhas sobre o futuro dos seus filhos. Pelo que não se pode continuar reprimir o testemunho da própria consciência moral, renegando a Liberdade e a Dignidade de todo um povo.

Disto segue-se, finalmente, que não se pode continuar a fazer guerra em Cabinda para ficar com o petróleo, afogando os legítimos desejos das populações deste território. O povo de Cabinda deve ser privilegiado para viver normalmente como povo.

O problema actual consiste em encontrar princípios sólidos conformes com a verdade sobre Cabinda, sobre o sentido da vida e do destino das suas populações, e adoptar consensos a partir dos quais se acabará com o conflito armado e se fará justiça ao povo de Cabinda. Daqui a necessidade para Angola de ter uma atitude de contrição perante “fraude” contida nos Acordos de Alvor que estipulou a apropriação do enclave de Cabinda e a sua integração no “espaço-território” de Angola ao arrepio da Constituição portuguesa de 1933.

Finalmente, a paz em Cabinda precisa de um fundamento estável, não relativo, não aviltado. E a única solução sensata para construir a paz autêntica para Cabinda é um diálogo franco e aberto, esse diálogo que, partindo do real subjacente à “questão de Cabinda” vai ao encontro de reconciliação, de fraternidade e de justiça, de dignidade para as populações de Cabinda.

Conclusão e Recomendações:

E, para terminar, devo dizer que a questão de Cabinda é inevitável e irreprimível; envolve cada homem em particular que não renuncie a pensar. E se é que este problema reaparece neste debate, é por que existe. «Não é por pouco se falar dele que ele deixa de existir», dizia Orlando Castro.

Enquanto não houver política que instaure uma verdadeira justiça para Cabinda, não se pode pôr fim ao conflito ainda reinante, pois a actual gestão da especificidade de Cabinda terá sempre o mesmo valor semântico que «alienação», «colonização». Neste contexto, Cabinda será sempre um verdadeiro barril de pólvora: o número daqueles que no nosso meio se chamam FLECs vai aumentar.

Diante desta situação, recomendo:

1) A auscultação das Populações de Cabinda e promover um debate franco e aberto em torno da sua causa, constituindo para o efeito, uma comissão independente integrando elementos das Nações Unidas e da União Africana para conduzir o processo de auscultação;

2) O envolvimento da ONU e da União Africana na resolução da questão de Cabinda. É necessário que a Comunidade internacional assuma as suas responsabilidades nesta questão;

3) A elaboração de uma Agenda de Paz para Cabinda, relatório produzido por uma Comissão Independente de Auscultação das Populações de Cabinda e que descreve a situação actual em Cabinda, os contornos da questão de Cabinda, a evolução das perspectivas de solução do conflito e definir procedimentos susceptíveis de estabelecer uma paz duradoira para Cabinda.

4) A instauração de um clima susceptível de pacificar as consciências, através do respeito pelos direitos humanos e das liberdades fundamentais, da justa partilha da produção e da riqueza acumulada da comunidade e da permanente busca de consensos sobre a questão de Cabinda. Este clima permitiria a reaproximação dos beligerantes, o que por si só constituiria um sucesso de realce;

5) A organização de negociações construtivas e inclusivas sobre o futuro estatuto político e Jurídico de Cabinda.

Muito obrigado!

Windhoek, 14 de Janeiro de 2013.

Angola – Massacre de Outubro em Angola completa 20 anos

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Por Madalena Sampaio

Há 20 anos, Angola presenciava mais um episódio sangrento. O massacre de outubro de 1992 matou milhares de apoiantes da UNITA e da FNLA. Cenário violento que jamais será esquecido por quem o presenciou.

Nesta terça feira (30.10), completam-se 20 anos sobre o massacre iniciado a 30 de outubro de 1992 na capital angolana, Luanda. No espaço de três dias, foram assassinados milhares de apoiantes da União Nacional para Independência Total de Angola (UNITA) e da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA).

O massacre ocorreu depois de uma fase de paz que se seguiu aos acordos de Bicesse, celebrados em 1991. A guerra civil entra então numa nova fase e prolonga-se por mais dez anos.

A DW África recolheu algumas memórias sobre uma data que não foi esquecida, mesmo que o tema continue a ser tabu em Angola.

Filomeno Vieira Lopes descreve o massacre à DW África Filomeno Vieira Lopes descreve o massacre à DW África

Assassinato surpresa

“Foi naturalmente um dia horrível. Estava-se a discutir a paz”, começa Filomeno Vieira Lopes, atual líder do Bloco Democrático, partido da oposição angolana. Ele lembra-se bem da data que interrompeu o processo de paz em Angola.

Lopes estava fora de casa quando começaram os bombardeamentos. Foi apanhado de surpresa, sobretudo numa altura em que se tentava encontrar soluções políticas para o problema. “Matava-se tudo. Matavam-se todos os que tivessem alguma ligação com a oposição.”

Milhares de apoiantes e até dirigentes da União Nacional para Independência Total de Angola (UNITA) são assassinados em Luanda e em outras localidades do país. Também da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) há vítimas.

“É a primeira vez, na história da guerra civil angolana, que políticos morrem em combate”, escreve o jornalista Emídio Fernando no livro Jonas Savimbi: No Lado errado da História.

José Eduardo dos Santos é presidente de Angola há 33 anos. Na foto, com a esposa
José Eduardo dos Santos é presidente de Angola há 33 anos. Na foto, com a esposa

Perguntas sem respostas

Até hoje, permanece por esclarecer quem ordenou o massacre. O número de vítimas também nunca foi confirmado, mas estima-se que tenham morrido entre 10 mil e 50 mil pessoas. Números que Mário Pinto de Andrade, do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), contesta:

“Acho que, às vezes, a comunidade internacional empola. Houve uma manipulação desses resultados. Eventualmente fala-se das pessoas que morreram pela UNITA, mas também morreu muita gente pelo lado do governo. A UNITA quando ocupou o Uíge matou muita gente do MPLA e quando ocupou o Huambo, fez o mesmo.”

Os assassinatos ocorreram após as eleições presidenciais e legislativas de 1992, as primeiras na história do país. Nem o candidato do MPLA, José Eduardo dos Santos, até hoje no poder, nem o seu adversário, Jonas Savimbi, da UNITA, conseguiram maioria absoluta nas presidenciais.

Mas a segunda volta nunca se realizou. A guerra civil reacende-se com o massacre e prolonga-se até quatro de abril de 2002. O massacre também dizimou muitos membros dos grupos étnicos Ovimbundu e Bakongo, historicamente tidos como adversários do MPLA.

As últimas eleições angolanas deram novamente vitória a José Eduardo dos Santos As últimas eleições angolanas deram novamente vitória a José Eduardo dos Santos

Fato desconhecido

O jornalista e analista político Orlando Castro afirma que, nessa altura, o MPLA tentou “neutralizar todos os que pensavam de maneira diferente do regime”:

“Foi uma tentativa de decapitar a UNITA. Tanto que fala-se em milhares de mortos, eventualmente até em cerca de 50 mil. É certo que também o próprio vice-presidente da UNITA, Jeremias Chitunda, tal como Mango Alicerces [secretário-geral da UNITA] e Elias Salupeto Pena [sobrinho do líder do partido, Jonas Savimbi] foram mortos nesse massacre. Na história do MPLA, os massacres, ou as purgas, ou o que se lhe quiser chamar, são uma regra estratégica do regime, mesmo até para os próprios simpatizantes do MPLA.”

O tema ainda é tabu em Angola e desconhecido por muito jovens. Daí a importância de uma boa estratégia de reconciliação, desde que não se branqueie a verdade, defende Orlando Castro:

“Estes massacres são os mais visíveis, quer o de 27 de Maio de 1977, quer o de 1992, são os mais visíveis pelo número de vítimas, mas o MPLA tem muitas outras histórias porque ao longo da guerra – embora a UNITA obviamente também tenha cometido grandes erros – o MPLA, até pelo poder militar que tinha, massacrou muita gente inocente. Os jovens não conhecem esta história. A paz e reconciliação em Angola nunca se conseguirá com base na mentira.”

Mário Pinto de Andrade concorda: “ninguém pode negar a História, mas tem de se falar com realismo.”

Reportagem publicada na DW. Ouvir aqui.

2012 Ibrahim Index of African Governance

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Por Eugénio Costa Almeida

O relatório anual da Fundação Mo Ibrahim para a Boa Governação em África, hoje divulgado, mostra que os 5 melhores países continuam a liderar a tabela; destaque para Cabo verde que se mantém como o 2º melhor país em África, logo atrás de Maurícias e à frente de Botswana , Seychelles e África do Sul.

Angola, em 40º, Moçambique, em 21º, e São Tomé e Príncipe, em 11º, melhoraram em um ponto a sua classificação, com o caso de Angola ter abandonado as últimas 10 posições com troca – e a progredir, ponto a ponto desde 2006 –, entre outros, com Guiné-Bissau, que agora ocupa o lugar 45º, logo atrás da Guiné-Equatorial e à frente da Costa do Marfim(?)!

Em últimos estão o Chade, a República Democrática do Congo e Somália.

Poderão aceder ao relatório preliminar por: http://www.moibrahimfoundation.org/downloads/2012-IIAG-summary-report.pdf

Kony 2012: pastelão ocidental

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Por Marcio Pessoa (*)

A campanha instalada em nível global pela captura do warlord ugandês Joseph Kony cai como uma luva para política externa norte-americana na África. É legítima, a iniciativa da organização “Invisible Children” (Crianças Invisíveis) em mobilizar a opinião pública do seu país e usar os canais institucionais que a sociedade norte-americana tem para exigir e pressionar por medidas em nível de Estado contra uma causa que defende.

Pode-se até discutir se é legítimo o fato de a organização pressionar por uma intervenção militar fora de seu país, mas a ONG está no seu direito ao exigir uma medida de governo. O fato é que a campanha interna deu resultado e o Congresso Norte-americano aprovou a caçada a Kony em novembro de 2011. Discuto, entretanto, se os parlamentares realmente estavam pensando nas crianças-soldados quando aprovaram a “benfeitoria”. Afinal, se é para fazer uma ação efetiva contra as crianças-soldados, que seja uma ação global. Por que somente contra Kony?

Porque todos sabem que os Estados Unidos pretendem há algum tempo aumentar sua presença militar na África Central e estavam sofrendo a oposição de alguns “líderes” africanos, principalmente do coronel Kadafi. Torna-se evidente que a morte do ditador líbio, de influência inquestionável junto a outros governos do continente, e o apoio internacional à campanha facilitam as coisas.

O incremento do AFRICOM, Comando Militar dos EUA na África, em um cenário de comoção nacional e internacional e com eventuais opositores amaciados, ganha, portanto, sinal verde. Uma quase legitimidade necessária em tempos de fracasso no Afeganistão e crescente instabilidade no Iraque, quando Obama tem que calcular cada passo bélico por motivos eleitorais.

Visível e constrangedor

Bem visível foi o vídeo divulgado pela “Invisible Children”, cuja mensagem e formato seguem uma velha receita, aquela da canção “We Are the World”, que nos anos 1980 mobilizou Ocidente e países periféricos contra a fome na Etiópia. Agora, porém, o modelo é o audiovisual e a plataforma muito mais rápida, “pulverizante”, nas redes sociais.

Hoje se sabe que os recursos ocidentais que aliviariam a fome no país do Chifre da África foram desviados para equipar e manter a guerrilha que derrubaria a ditadura marxista de Mengistu Haile Mariam em 1991, após mais de 15 anos de guerra civil. Uma ditadura marxista substituída por governos mais alinhados com o Ocidente, mas extremamente repressores.

Não surpreende, mas assusta bastante o fato de cidadãos norte-americanos ainda pensarem que suas forças armadas podem servir como “super-heróis” em qualquer lugar do planeta. O vídeo expõe, sem qualquer cuidado, crianças vítimas de violência, como os outdoors das ONGs alemãs, que insistem em expor crianças negras em colos gordos de freiras e de belas moças loiras. Tudo isso para sensibilizar os doadores.

A imprensa britânica martelou bastante em cima da campanha pela cabeça de Kony sem maiores conteúdos críticos, apoiando a causa. Brasileiros postaram no Facebook apoio e desconfiança sobre o tema.

Enfim, a “Invisible Children” conseguiu o que queria. Fez o procurado número um da Corte Penal Internacional aparecer para todos os continentes, embora a opinião pública africana e o promotor argentino Jose Luis Moreno Ocampo saberem que Kony está em solo africano, provavelmente não no Uganda, mas na República Democrática do Congo, onde tem barbarizado com seus alegados mil homens.

O evidente

Mais interessante é a manifestação da jovem ugandesa Rosebell Kagumiri, cobrando que os organizadores da campanha esclareçam sobre a situação atual do país, segundo ela mais pacífica e sem atividade do Exército de Resistência do Senhor (LRA), uma guerrilha que mistura extremismo cristão e misticismo. “Este é outro vídeo onde eu vejo um estrangeiro tentando bancar o herói, resgatando crianças africanas. Nós já vimos isto na Etiópia. Celebridades vindo para a Somália”, diz Kagumiri.

O AFRICOM é o maior empreendimento militar norte-americano no continente. Foi instalado no Uganda por ser uma país estratégico tanto no acesso a riquezas da região central e do Chifre da África, como para conter os avanços de milícias radicais. Ou seja, faz parte de um projeto de estabilização em favor dos interesses econômicos e de segurança dos “Estados Unidos pós-Afeganistão”.

Uganda é o coração do continente africano, o novo posto de polícia da região. O emprego de qualquer ação militar no Quênia e na Somália contra piratas e Al Shabaab e as investidas já anunciadas contra os grupos armados AQMI, no Magreb Islâmico, e Boko Haram, em atividade na Nigéria, está agora bastante facilitado.

O LRA já estava com seus dias contados. Há alguns meses o exército norte-americano treina militares congoleses para ações contra o grupo armado de Kony. A única dúvida nesta história é a seguinte: já que a criação da Corte Penal Internacional basea-se em uma resolução da ONU porque os chamados “capacetes azuis” não trabalham na captura de Kony e de outros da lista de Ocampo? Por que deixar o AFRICOM tomar conta da situação? Perguntas óbvias que precisam ser feitas também em nível global.

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(*)Marco Pessoa natural do Brasil, é Master em Sociedade Civil e Gobernança Democrática pela Universidade de Osnabrueck, Alemanha. Divide seu tempo entre Bonn e Londres. Jornalista da Deutsche Welle, cursa seu PhD na Faculdade de Ciências Sociais da London Metropolitan University. Seu foco de pesquisa é Desenvolvimento, Democratização e Sociedade Civil na África Austral

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Guiné-Bissau, 39 anos de independência?

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Por Eugénio Costa Almeida

“A Guiné-Bissau comemora – ou comemoraria – hoje [24 de Setembro] o seu 39º aniversário de independência.

Escrevo comemoraria, porque tal como o seu vizinho Mali, está sob a “protecção” de terceiros que, aproveitando um eventual Coup d’État – que muitos consideram uma oportuna e bem montada intentona – se “apoderaram” da vida política, social e, principalmente, militar do País.

De facto, tal como o Mali – com a grave particularidade de este estar já cindido sem que a UA e a CEEAO nada efectivamente façam – a Guiné-Bissau está sob domínio de pseudo-potências que só conseguem manter o seu actual status quo através de patrocínios, com maior ou menor evidência, de Golpes de Estado.

Quantas vezes o Senegal já tentou intervir, directamente, nas questões Bissau-guineenses e das anteriores vezes que isso aconteceu foi copiosamente derrotado?

Quantas vezes os vizinhos de Bissau tentaram impor as suas regras políticas e de todas elas os guineenses aplicaram o chamado “xuto no cu” aos potenciais “imperadores locais”?

Só o conseguiram agora através do patrocínio “descomplexado” dos subservientes senhores que dominam a actual CEEAO e com o pouco discreto beneplácito da União Africana.

Talvez que o 40º aniversário seja mesmo comemorado e em plena liberdade!”